Conectado como:
filler@godaddy.com
Conectado como:
filler@godaddy.com
Sou Regina Horta Duarte, professora de historia da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Meu interesse pelas relações entre as sociedades humanas e o meio natural se tornou explícito em 2000, quando iniciei uma investigação sobre a colonização de uma extensa área de mata tropical, nos estados de Minas Gerais e Bahia, o vale do rio Mucuri. O empreendimento foi iniciado por um politico republicano, Teofilo Ottoni, cuja empresa obteve a concessão do governo imperial brasileiro para a navegação do rio e a futura construção de uma ferrovia, no inicio dos anos 1850. Fiquei fascinada pela miríade de historias envolvidas: historias da floresta tropical, dos desafios enfrentados pelos que desejavam empreender a navegação do rio, e dos encontros dos colonizadores com as populações indígenas que ali habitavam. A empresa contou com mão de obra de imigrantes alemães e suíços, assim como trabalhadores escravos de origem africana. O encontro de tantas pessoas de origens diferentes implicou trocas culturais, mas também uma movimentada rede de patógenos, plantas e animais, num contexto de intensos conflitos étnicos e políticos.
Até então, minhas investigações tinham privilegiado temas na interface da historia politica e cultural. Em meu mestrado, defendido em 1988, dediquei-me ao estudo do anarquismo no Brasil, com a publicação do livro A Imagem Rebelde (1991). Encantei-me especialmente pelas figuras de geógrafos anarquistas, como Élisée Reclus e Piotr Kropotkin, cujas obras discutiam relações entre sociedade humana, natureza e política, a exemplo da Nouvelle Géographie Universelle: La Terre et les Hommes (19 tomes, 1876-1894) de Reclus e da obra Mutual Aid: A Factor of Evolution (1902), de Kropotkin. Esses e outros livros circularam pelo Brasil em varias traduções para o português, e estimularam uma visão de natureza peculiar entre os libertários que atuaram em meu país, no início do século XX.
Defendi meu doutorado em 1993, e escrevi o último capitulo com meu filhinho Antonio, recém-nascido, em meus braços. Estudei espetáculos de circo e teatro no Brasil na segunda metade do século XIX. Discuti os contrastes entre o estilo nômade de vida dos artistas ambulantes e a forte tendência de organização sedentária que configurou a sociedade senhorial da época. Vários trechos de meu livro Noites Circenses (1995) analisam a presença de animais nos circos, seu papel na cultura ambulante dos artistas, e o modo como eram apresentados nos sertões de Minas Gerais.
Entre o doutorado e a investigação sobre o vale do Mucuri, nasceu Manoel, meu segundo filho. As experiências de maternidade transformaram a minha maneira de ver o mundo, de encarar a vida e a morte, a natureza, a condição feminina, a alimentação. Refletir sobre o presente e o futuro de meus filhos trouxe nova dimensão a minha concepção do tempo e da história, assim como gerou novos sentidos para minha vida profissional como professora e investigadora. Ao longo desses anos, a historia ambiental pareceu-me um caminho promissor para exercer um pensamento potencialmente transformador. Minha ambição era a de contribuir – mesmo que modestamente – para a produção de um conhecimento histórico inovador e útil aos meus contemporâneos, seguindo a máxima nietzschiana de que ou a historia serve à vida, ou ela não serve para nada.
Pesquisando pela internet, descobri rapidamente que muitas pessoas já se dedicavam ao estudo das relações históricas entre sociedade e natureza. Encontrei informações sobre a ASEH e ESEH, assim como das revistas cientificas que editavam. Com a perspectiva de participar do encontro da ASEH em Denver, Colorado, USA, em 2002, passei a procurar interlocutores para um painel. Guillermo Castro e José Augusto Drummond responderam aos meus e-mails. Para completar a mesa, Guillermo sugeriu Bernardo García, e\ Drummond contatou Stuart McCook. Em Denver, encontrei também Melissa Wiedenfeld que, além de extremamente gentil e generosa comigo, foi paciente em decifrar meu inglês macarrônico. No ano seguinte, fui a Santiago do Chile, onde encontrei uma comunidade acadêmica latino-americana intensamente envolvida com a historia ambiental, pessoas que rapidamente se tornariam amigos queridos. Após tudo isso, me tornei uma solchera entusiasta, e aguardo os simpósios bianuais com grande ansiedade.
Quando penso em leituras decisivas na minha perspectiva como historiadora, acho difícil construir uma lista. Mas um livro certamente reúne os meus mais caros pressupostos teóricos sobre a história, L'Institution imaginaire de la société, publicada em 1975 por Cornelius Castoriadis. Não poderia deixar de citar o texto de Michel Foucault, “Nietzsche, la généalogie, l’histoire”, de 1971. Na infância, as obras de Monteiro Lobato alegraram meus dias e hoje o vejo como um grande observador da natureza do Brasil de seu tempo. Recentemente, dediquei-me ao estudo da atuação de naturalistas no Brasil dos anos 1920 a 1940, quando os estudos de biologia começaram a se estabelecer como uma disciplina no Brasil. Nessa ocasião, aprendi com Ernst Mayr como história e a biologia evolutiva têm grandes intercessões: a importância do evento e da aleatoriedade, o caráter não progressivo e não linear das transformações, a inexistência de fins pré-determinados, a importância do tempo como devir, a relevância da análise que considere tanto o acaso como a necessidade na compreensão do passado e do presente. Em 2010 publiquei A Biologia Militante, que mereceu a Menção Honrosa no prêmio Thomas Skidmore, organizado pela Brazilian Studies Association (Brasa).
Tenho me dedicado à história ambiental urbana, e realizei alguns estudos sobre a busca do verde nas cidades. Nasci em Belo Horizonte, em Minas Gerais, em 1963. Aqueles eram anos de grande destruição da natureza: mineração, siderurgia, urbanização desenfreada na capital do estado. A mortalidade infantil era altíssima; rios e córregos se transformaram em esgotos fétidos; a industrialização em torno da cidade contaminava ar, solo e água; as matas tropicais e o cerrado se transformaram em carvão vegetal para alimentar as siderúrgicas. Em Belo Horizonte, estimativas oficiais apontaram que havia apenas 0,7 m2 de área verde por habitante (!!), em 1970. Foi numa cidade assim que eu cresci: rios imundos, ruas sem arborização, lixo pela rua, pobreza extrema, injustiça social coroada de racismo, tudo isso emoldurado por uma violenta ditadura civil-militar que – na minha inocência – eu mal podia compreender.
Mas, vejam só, cresci otimista. Nesse caos urbano, político e social, minha mãe cultivou um pequeno jardim. Todas as manhãs, ela brincava comigo naquele espaço exíguo, mas singelo e bonito, e juntas olhávamos cada flor que desabrochava. Sim, talvez tenha sido ela, minha mãe, a minha primeira mestra de história ambiental.
Duarte, R. H. “Natureza e sociedade, evolução e revolução: a geografia libertária de Elisée Reclus” Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 26, n.51, p. 11-24, 2006.
Duarte, R. H. Facing the Forest: European Travellers Crossing the Mucuri River Valley, Brazil, in the Nineteenth Century. Environment and History, v. 10, n.1, p. 31-58, 2004.
Duarte, R. H. “`It Does Not Even Seem Like We Are in Brazil:’ Country Clubs and Gated Communities in Belo Horizonte, Brazil, 1951-1964” Journal of Latin American Studies, v. 44, p. 435-466, 2012.
DUARTE, R. H. “Urban trees and urban environmental history in a Latin American city, Belo Horizonte, 1897-1964” Global Environment, v. 3, p. 120-153, 2009.
DUARTE, R. H. “Pássaros e cientistas no Brasil: Em busca de proteção, 1894-1938” Latin American Research Review, Austin, Texas, v. 41, n.1, p. 3-26, 2006.