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Sou uma historiadora ambiental urbana. Esta definição costumava ser seguida de alguns minutos de explicação, mais ou menos claras, até alguns anos atrás, pois havia poucos de nós, os historiadores ambientais urbanos. Hoje o campo é mais conhecido – o que é devido, infelizmente, tanto à crise ambiental das cidades como ao aumento da produção historiográfica na área – e as apresentações são menos cansativas. Minha trajetória até aqui foi um pouco peculiar. Meu mestrado foi sobre florestas, então suponho que eu era uma historiadora ambiental, antes de ser uma historiadora ambiental urbana. Mas antes do mestrado, minha primeira paixão pela história foi através de um estudo das crônicas de Machado de Assis sobre a cidade do Rio de Janeiro, na virada do século XX. Então fui uma historiadora urbana, antes de ser historiadora ambiental. Voltar agora às cidades é um pouco voltar às origens, de um certo modo.
Obtive meu bacherado (e licenciatura) na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, terminando em 1991. Neste época, minha pesquisa era principalmente sobre conceitos de tempo, e como os cronistas (no caso, o grande escritor brasileiro Machado de Assis) viam a cidade. Terminado o curso, porém, eu me encontrava naquela situação comum a tantos recém-formados: não tinha a menor idéia do que ia fazer da minha vida, aos 23 anos. Trabalhei um pouco em escolas, outro tanto num museu gemológico, e de vez em quando como guia turístico, até que finalmente vendi minha coleção de quadrinhos para comprar uma passagem para Veneza, na Itália, onde moravam minha tia e minha prima. Morei em Veneza (Mestre, na verdade) por um ano, e ali também trabalhei como baby-sitter, guia turística, au pair, assistente num consultório de dentista, e até operadora de telemarketing de uma agência matrimonial, enquanto tentava fazer alguns cursos na Università degli Studi di Venezia. Foi nesta época que comecei a me interessar mais seriamente sobre meio ambiente, e meio ambiente urbano – a vida em Veneza tem seus problemas... Fiz então algum trabalho voluntário para a Lega Ambiente, uma organização não governamental italiana, uma experiência com altos e baixos.
Voltei para o Brasil em maio de 1992. O Rio se preparava então para a encontro das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, e a expectativa era imensa. O Relatório de Gro Harlem Brundtland, a Carta da Terra, a Declaração do Rio, tudo estava em efervecência. Desde o fim da ditadura no Brasil, em 1985, e principalmente depois da Constituinte de 1988,o chamado Terceiro Setor, ou as organizações não governamentais, tinham crescido muito no Brasil, e parecia que não havia limite para o que se podia conseguir. Depois de um ano sem saber muito quem eu era, onde estava, para onde iria, voltar ao Brasil naquele momento me deu uma tremenda sensação de comunidade, de destino mesmo. Nos quatro anos seguintes, trabalhei numa ONG que passou os documentos da Rio 92 para quadrinhos; em uma outra que discutia questões de gênero e meio ambiente, outra ainda que organizava ações diretas na Amazônia, e finalmente em outra cujo foco era educação ambiental.
A partir destas experiências práticas, fui desenvolvendo uma curiosidade maior para abordar questões ambientais de um ponto de vista mais teórico. No Brasil havia então poucos cursos de mestrado em estudos ambientais, e eu achei um mestrado em políticas públicas ambientais nos Estados Unidos. Nesta época eu tinha lido a Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, e Nature’s Economy, de Donald Worster, e estava bem interessada em conhecer mais do que se fazia nos EUA sobre estudos sócio-ambientais – mas ainda não pensava muito em história. O responsável pelo programa de mestrado, no entanto, era John Opie, um historiador ambiental, e aos poucos fui me descobrindo o que afinal isto significava. As negociações para financiamento de viagem, estadia, etc., foram um pouco complicadas. Eu já não tinha mais uma coleção de quadrinhos para vender, e estava casada. Meu marido já tinha feito uma mudança importante na sua vida (da Itália para o Brasil), e parecia impossível planejar outra. E no entanto, foi quem mais me deu apoio quando obtive uma bolsa de estudos para o mestrado em New Jersey, nos EUA, que mal cobria os custos de moradia. Foi um projeto conjunto. Enquanto eu me debruçava sobre estratégias políticas de preservação da Floresta Amazônica, sobre a legitimidade e a praticidade de alianças entre ONGs globais e locais, meu marido trabalhava horas inomináveis como websites, Photoshop, e fotografias.
Nossa estadia devia durar somente dois anos, a duração do curso de Mestrado. Mas porque de vez em quando as coisas não acontecem como planejamos, ficamos nos EUA por 14 anos. Ao final do mestrado, uma crise econômica no Brasil acabou por abortar o trabalho que eu planejava fazer no Brasil. Ao mesmo tempo, acabei conhecendo outro historiador ambiental, da Universidade de Stanford, prof. John Wirth, que me convenceu a ir para a California para um doutorado. Atravessamos o país de carro, em 24 dias, e fizemos acho que um dos primeiros blogs de viagem, em 1998. Ainda pode ser visto em http://www.delpiano.com/photojourney/index.html.
A esta altura, eu já me sentia exausta de trabalhar em temas ligados à ONGs e florestas, e queria realmente mergulhar em história ambiental. E um pouco ficava irritada quando todos os americanos com quem eu conversava presumirem imediatamente que quando se falava de meio ambiente no Brasil, só podia ser sobre a floresta amazônica. Como se não houvesse questões urbanas importantes no hemisfério sul, como se 80% da população não vivesse em áreas urbanas. A história ambiental urbana já tinha algumas grandes obras sobre os EUA – Nature’s Metropolis, de William Cronon foi uma revelação – mas muito pouco na América Latina. Durante os seis anos seguintes, portanto tentei contribuir um pouco para a história ambiental urbana da América Latina, contando a história ambiental da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, no século XX.
Também neste período, busquei entender o que já havia sido produzido sobre história ambiental latinoamericana, e quem tinha escrito o quê. A bibliografia online de história ambiental nasceu de um projeto de verão em Stanford, e se tornou algo coletivo, feito com a ajuda de alunos e estudantes. Ela teve uma primeira versão em Stanford, em 1999, e mudou-se comigo para Long Beach, quando, após o doutorado, fui trabalhar na California State University. Finalmente está imigrando para a América Latina, para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual trabalho desde voltei para meu país em 2010. A nova versão, ainda precisando de ajustes, está (ou estará em breve) em http://www.boha.historia.ufrj.br/ (ou diretamente no zotero:
https://www.zotero.org/boha/items/collectionKey/TX6NZJI3).
Trajetórias profissionais são um pouco, como dizia Machiavelli, resultado de virtù e fortuna, ou seja, de acaso e escolhas. As questões que nos animam também são produtos destas trajetórias. Este meu período no Brasil me levou a começar um novo projeto sobre inundações urbanas, e daí uma curiosidade maior sobre desastres sócio-ambientais. A experiência de criar a bibliografia online, por sua vez, está me puxando cada vez mais para a área de história digital. Por enquanto estou quebrando a cabeça para saber com juntar estes dois impulsos. Quem sabe o que estarei fazendo daqui a mais vinte anos?